Introdução
Quem trabalha ou faz estágio em
terapia intensiva já deve ter se deparado com o sistema de aspiração fechada,
também conhecido como “trach-care” (ou, como costumamos dizer em bom
tupi-guarani: trákéké). De modo geral, acredita-se que o sistema fechado é melhor
do que o aberto, pois é capaz de prevenir a pneumonia associada a ventilação
mecânica além de permitir a aspiração das secreções do tubo orotraqueal sem
precisar despressurizar o circuito do paciente.
Porém ao estudar o tema, fiquei surpreso ao descobrir que não há evidências que
comprovem a superioridade do sistema fechado sobre o aberto (vocês ficariam
surpresos com a quantidade de coisas no mundo da reabilitação que me deixam
surpreso). Justamente por isso, resolvi classificar esta postagem como “Mitos e
Lendas da Fisioterapia” e compartilhar meus achados com vocês.
Então, divirtam-se e boa leitura, fisionautas.
Fundamentos
A aspiração do Tubo Orotraqueal
(TOT) é um dos procedimentos mais comuns em uma Unidade de Terapia Intensiva.
Trata-se de um cuidado essencial em ventilação mecânica invasiva, pois o
acúmulo de secreções no TOT pode obstruir a passagem de ar pelo tubo, gerando queda
da saturação e aumento o trabalho da respiração. Além disso, o excesso de secreções no TOT pode ser um agente
facilitador de atelectasias e infecções pulmonares. Vale a pena relembrar que a
introdução de uma via aérea artificial interfere com o mecanismo fisiológico de
eliminação de secreções traqueais, sendo que a mera presença do tubo é
irritativa e aumenta a produção de secreções.
Pois bem, como dito
anteriormente, existem dois métodos para remover as secreções do TOT: o sistema
de aspiração aberto, e o sistema de aspiração fechado.
Sistema aberto de aspiração
O sistema aberto de aspiração
envolve a desconexão do tubo do ventilador mecânico e a introdução de uma sonda
descartável no TOT. O procedimento deve ser realizado com o máximo de assepsia.
A grande desvantagem do sistema de aspiração aberto está no fato de que é necessária
a desconexão momentânea do suporte ventilatório para a introdução da sonda de
aspiração. Além disso, podem ocorrer efeitos adversos ao procedimento, tais
como distúrbios no ritmo cardíaco, traumatismo da mucosa traqueal, hipoxemia
(devido a interrupção da ventilação mecânica) contaminação microbiana (pode
acontecer apesar do uso de luva estéril e cuidados para não contaminar a sonda)
e desenvolvimento de Pneumonia Associada a Ventilação Mecânica.
Sistema fechado de aspiração
O sistema fechado foi desenvolvido
para ser uma forma mais segura de aspiração em ventilação mecânica. Consiste de
uma sonda de aspiração, envolta por uma capa plástica, conectada entre o TOT e
o circuito do ventilador mecânico. (Figura abaixo). O grande lance desse
sistema de aspiração é que ele permite que o procedimento seja realizado sem a
necessidade de interrupção do suporte ventilatório, garantindo a manutenção da
Pressão Positiva ao Final da Expiração (a famosa PEEP – resultando em uma menor
perda de volumes pulmonares após a aspiração), além disso, trata-se também de
um método mais prático, fácil de ser realizado por uma pessoa e diminui a
exposição do profissional a contaminação. Outro detalhe importante é que ao
contrário do sistema aberto, no qual todo o material (sonda e luvas) é
descartado após o procedimento, o sistema fechado permite que a aspiração
traqueal seja repetida diversas vezes, sendo recomendada a troca do sistema
após 24 hs de uso.

O QUE A LITERATURA TEM A DIZER SOBRE ISSO?
Para a redação desta postagem,
utilizei principalmente a revisão sistemática de Pagotto e colaboradores
(Rev.bras.ter.intensiva vol.20 no4 Out/Dez. 2008), da qual utilizei vários
trechos nesta postagem. Esta revisão sistemática está muito bem escrita e está
em português. Duas coisas que ajudam bastante a galera que quer se aprofundar
no tema mas não domina o inglês.
Em uma meta-análise publicada em
2007 na revista Critical Care Medicine,(sou péssimo em ortografia, e assumo que
não sei se o correto é metanálise ou meta-análise.... por favor, se alguém puder
me corrigir eu agradeço) os autores analisaram a efetividade dos sistemas
aberto e fechado com relação a quatro fatores:
[1] Desenvolvimento de Pneumonia
associada a Ventilação Mecânica,
[2] Mortalidade,
[3] Variáveis
cardiorrespiratórias, e
[4] Custos.
A seguir irei comentar estes mesmos critérios, porém incluindo resultado de
outros artigos, alguns dos quais foram analisados pela meta-análise, porém mesmo
correndo o risco de parecer redundante, considero que eles merecem destaque.
Incidência de Pneumonia Associada a Ventilação Mecânica
(PAVM)
Uma meta-análise publicada em 2006 e outra
em 2007, além de uma revisão sistemática de 2010, concluíram que não há
evidências que indique diferenças entre os dois sistemas de aspiração com
relação ao risco de desenvolver PAVM.
Porém, convém destacar uma
curiosidade: Em um artigo publicado em 2014 na revista “Central European
Journal of Nursing and Midwifery” que investigou os riscos de infecção respiratória
associada aos sistemas de aspiração aberto e fechado em uma amostra de 100
pacientes, as pesquisadoras identificaram que embora não tenha sido observadas
diferenças significativas entre a incidência de PAVM, foi encontrada uma
diferença significativa com relação a infecção microbiana e o tipo de sistema
de aspiração utilizado.
O sistema de aspiração fechado parece favorecer uma
colonização mais rápida por microorganismos multirresistentes. As autoras
explicam este achado sugerindo que ao conduzirem a aspiração aberta,
enfermeiras obedecem a um procedimento rígido de assepsia, o qual inclui
higiene das mãos, o uso de sonda de aspiração descartável e capotes. Neste
artigo é citado que estes achados são corroborados por outros artigos, com
destaque para o de Topeli et al (2004) no qual foi observado uma alta
incidência de Acinetobacter spp e Pseudomonas aeruginosa em pacientes aspirados
com o sistema fechado (Topeli A. Comparison of the effect of closed versus open
endotracheal suction systems on the development of ventilator-associated
pneumonia. Journal of Hospital Infection. 2004;58(1):14-19.).
Mortalidade, tempo de UTI e tempo de Ventilação Mecânica
Sem sombra de dúvidas que os desfechos
mortalidade, tempo de permanência em UTI e tempo de Ventilação mecânica são os
principais interesses de quem atua em terapia intensiva. Nos trabalhos
pesquisados, não foram encontradas diferenças significativas. Estes resultados
sugerem que tanto faz usar o sistema de aspiração aberto quanto fechado...
nenhum dos dois parece ter impacto sobre estas variáveis.
Variáveis cardiorrespiratórias (Pressão Arterial Média,
Frequência Cardíaca e Saturação Periférica de Oxigênio)
Para a análise da Pressão Arterial
Média (PAM) e a Frequência Cardíaca (FC), irei me basear na metanálise
publicada em 2006 por Jongerden e colaboradores (entendam a metanálise como um
tipo de revisão sistemática faixa preta de jiu-jitsu dos cavaleiros Jedi) .
Neste trabalho, os autores encontraram diferenças estatisticamente significativas
quando as variáveis cardiorrespiratórias foram analisadas. A PAM e a FC foram
menores nos pacientes que usaram o sistema fechado de aspiração. Entretanto, os
autores do estudo destacam que a diferença da FC entre os dois sistemas foi de
apenas 6 batimentos por minuto, e que embora tenha alcançado significância
estatística, é um achado de pouca relevância clínica. O mesmo se aplica a PAM,
na qual também foi encontrada uma diferença estatística, mas com pouca
relevância clínica (3-5mmHg mais baixo no sistema fechado).
Com relação a Saturação Periférica
de oxigênio (SPO2), a revisão sistemática de Pagotto identificou seis artigos.
Destes, cinco tiveram como resultado reduções significativas na SPO2 nos
procedimentos de aspiração aberta. No sexto artigo não foi identificada
diferença significativa entre os sistemas.
Importante ressaltar que houveram diferenças no tempo de coleta dos dados de
SPO2 entre os artigos pesquisados (alguns estudos verificaram a SPO2
imediatamente após a aspiração, enquanto outros esperaram 2 minutos até a
verificação). Porém, o que podemos tirar de lição disso é que em pacientes com
labilidade hemodinâmica é preferível usar o sistema fechado de aspiração.
Custos
Os estudos investigados não foram
capazes de identificar qual dos sistemas é mais eficiente em termos de custo
beneficio. Uma análise rigorosa de custo-efetividade precisa ser conduzida, e
não deve se limitar a contabilizar o custo de materiais, mas deve levar em
consideração o tempo gasto no procedimento, e benefícios em termos de desfecho
para o paciente.
É importante destacar que mesmo
utilizando o sistema fechado de aspiração, ainda assim é preciso usar sondas de
aspiração para a higiene da via aérea superior. Portanto, apesar da presença do
dispositivo de aspiração fechada, serão gastas sondas de aspiração (as quais
devem ser somadas ao custo de material).
CONCLUSÕES
Os resultados desta breve pesquisa
revela que a aspiração fechada e a aspiração aberta são equivalentes. A única vantagem
com evidência científica identificada é a de que o sistema fechado causa menos distúrbios
fisiológicos.
Uma coisa importante que deve ser
destacada é a de que as populações estudadas nos artigos são de pacientes
adultos que necessitam de cuidados de terapia intensiva. Pode ser que estudos
futuros direcionados a condições específicas (ex: pacientes com SARA, pacientes
com instabilidade hemodinâmica, pacientes em modos específicos de ventilação
mecânica, pós-operatório, idosos, crianças, neonatos, etc.) identifiquem que nestas subpopulações exista alguma vantagem em usar um sistema ou outro.
Moral da estória: Não
existem evidências de que o sistema fechado de aspiração seja mais eficiente do
que o sistema aberto na prevenção da PAVM, na redução da Mortalidade e com
relação a variáveis hemodinâmicas. Existe o benefício da dúvida com relação a
pacientes com labilidade da SpO2 e naqueles que necessitam manter o
recrutamento alveolar.
REFERÊNCIAS: